Sobre escrever

Há que se confiar no processo. Ou, diriam, trust the process. Confirmo o princípio.

Escrever é das coisas mais difíceis a que me proponho. A cada vez que busco traduzir meus pensamentos em palavras e as vejo materializadas no papel, presencio o milagre. E junto a ele, vejo a perda. A perda do que não se deixou traduzir.

Não à toa, desperta tanto interesse conhecer o método de escrita de escritores, ou como se diz, saber do processo criativo de cada um. Temos curiosidade de saber o horário em que a escritora acorda, se escreve diariamente, se toma café ou chá enquanto escreve, por quantas horas escreve, etc. A escrita é um exercício laborioso, cercado por mistério. O que leva cada um a escrever? Quando se dá a chegada da escrita, para usar o título de Cixous?

Um dos aspectos da escrita que talvez seja universal é que não é possível escrever sem ler. Escritores são leitores. Vale para escrita ficcional, vale para a escrita acadêmica.

Lemos, lemos muito, até que sejamos capazes de arriscar algumas linhas. Por vezes, são necessários livros inteiros para a escrita de uns poucos parágrafos. Junto ao que lemos em livros e artigos, em tempos de profusão de informações, há o que lemos de maneira mais informal, em sites de notícias, redes sociais. Além disso, é preciso pôr na conta o que ouvimos, seja em conversas, aulas, seja em podcasts. Estamos mergulhados num oceano de informações, que nos levam a pensamentos, ideias, associações. Como transformar tudo isso em texto?

Assustada pela possibilidade de ver ideias se perderem devido ao volume de informações ou de perder citações preciosas, disse a mim mesma que era preciso ler escrevendo, isto é, ler e concomitantemente fazer anotações. Que fique claro, anotações já digitadas. Livro aberto, tela do editor de texto aberta. Não se pode perder tempo, afinal.

Armadilha de nossos tempos.

Transformar a escrita em algo utilitarista provou-se, para mim, um modo de matá-la. Precisei relembrar a mim mesma do meu próprio fluxo de trabalho.

Gosto de escrever nas margens. Para desespero de muitos, escrevo nos livros, grifo com marca-textos coloridos, colo post-its nas beiradas. Esse processo consiste numa espécie de mastigação do texto, é meu modo de mapeá-lo, de conversar com ele, de buscar as respostas para as perguntas com as quais eu o adentrei.

Esse processo, em que mergulho numa série de livros, de textos, em que a cabeça trabalha a toda velocidade, tem um tanto de caos e envolve justamente estar longe do computador, frequentemente fora de casa. Para escrever, preciso ver o horizonte. É necessário também fazer anotações à mão, desenhar as letras à moda antiga, com grafite e papel. Só-depois, após muito abraçar o caos e navegá-lo, dá se a chegada da escrita. Suada, penosa, tantas vezes acompanhada de dores nas costas e no pescoço, porque afinal escreve-se com o corpo todo.

Paga-se um preço, mas é aí que o mundo parece fazer algum sentido. Há que se confiar no processo. Escrita, singular.